“Pode informar o seu CPF, Senhor?”, perguntou o atendente no caixa da farmácia. Talvez essa seja a mais comum e desconfortável (para não dizer constrangedora) pergunta que ouvimos no momento das compras em uma farmácia ou drogaria.
Mas por que a maioria das farmácias e drogarias desejam tanto o número dos nossos CPFs? Qual o motivo da insistência para que forneçamos nossos cadastros de pessoa física, quando não, informações sobre o nossos planos de saúde?
Curiosamente, busquei conversar com alguns dos atendentes das drogarias que se utilizam desta prática para saber deles o que está por trás da coleta desse genuíno dado pessoal.
A primeira resposta foi a do desconto. Ou seja, “queremos o seu CPF para lhe oferecer descontos”. Ora, mas se olharmos para o Código de Defesa do Consumidor – e não precisa ser advogado(a) para isso – , veremos que os descontos devem estar vinculados a um determinado produto, e não à entrega do CPF.
A segunda resposta foi a da existência de uma meta. Algumas drogarias estabelecem metas a serem alcançadas por seus funcionários. Em alguns casos, cada funcionário tem uma meta de 100 novos cadastros a ser atingida.
Sabemos que a coisa não é bem assim. Embora, muitos não se importem em fornecer seu CPF para gozar daquele descontinho mixuruca, mal sabem que seus dados pessoais têm um valor enorme para a formulação de campanhas publicitárias que objetivam a obtenção de lucro, ou mesmo para influenciar debates públicos e decisões políticas. Além disso, essas informações podem ser utilizadas para a realização de análises comportamentais (profiling) traçando perfis que podem trazer graves consequências.
Podemos imaginar uma situação em que uma pessoa pode deixar de ser contratada para ocupar determinado cargo em uma empresa se o seu perfil comportamental baseado em seus dados de saúde apontar determinada condição médica.
A título de exemplo, temos que dados relacionados ao consumo de medicamento para o fígado podem apontar que determinada pessoa não cuida bem da saúde ou enfrenta problemas com o uso abusivo de álcool. Quem contrataria, para ocupar uma posição estratégica da corporação, uma pessoa que faz uso frequente de Rivotril (remédio tarja preta usado como ansiolítico e anticonvulsivante)?
Com a entrada em vigor da LGPD, o correto seria o titular ser informado acerca de como e para que finalidade os seus dados são tratados. Mas não é que tem sido praticado.
O Governo de São Paulo publicou hoje a Lei nº 17.301, de 1 de dezembro de 2020 que proíbe farmácias e drogarias de exigir o CPF do consumidor, no ato da compra, sem informar de forma adequada e clara sobre a concessão de descontos, no Estado, e dá outras providências.
O primeiro artigo já determina que “as farmácias e drogarias ficam proibidas de exigir o Cadastro de Pessoas Físicas – CPF do consumidor, no ato da compra, sem informar de forma adequada e clara sobre a abertura de cadastro ou registro de dados pessoais e de consumo, que condiciona a concessão de determinadas promoções”, sob pena de multa no valor de 200 (duzentas) Unidades Fiscais do Estado de São Paulo – UFESPs (avaliada em R$ 27,61 no período de 01/01 a 31/12 de 2020), dobrada em caso de reincidência (parágrafo único).
Ademais, determina a afixação de avisos, em tamanho de fácil leitura e em local de passagem e fácil visualização, com os dizeres “PROIBIDA A EXIGÊNCIA DO CPF NO ATO DA COMPRA QUE CONDICIONA A CONCESSÃO DE DETERMINADAS PROMOÇÕES”.
Em um primeiro momento, parece estarmos diante de duas normas, tipificando a mesma conduta, mas isso é assunto para outro momento.
Não importa se a comparação dos dados com o petróleo, por Clive Humby, é ou não factível. O fato é que no mundo digital, dado o valor dos dados pessoais, a mercadoria pode ser você.
Marcelo Alves Pereira é Advogado e Consultor em Privacidade e Proteção de Dados Pessoais e ajuda as organizações atingirem conformidade com leis que regulam o tema.
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